quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Audácia Solitária

No início do século passado era frequente realizarem-se [e publicitarem-se] grandes viagens de automóvel com destino a localizações exóticas, muito remotas ou mesmo desconhecidas. São vários, aliás, os relatos de aventuras vividas nesse período a bordo de Škodas - verdadeiras odisseias que levaram o brilho do logótipo da Seta Alada aos mais recônditos locais do planeta.

Dessas, uma chamou particular atenção ao semlimites, por ser das menos conhecidas e, simultaneamente, uma das mais extraordinárias.

Em 1923, um engenheiro de 27 anos, chamado Jiří Hanuš, decidiu empreender uma viagem de automóvel que atravessasse o Deserto do Sahara, num percurso que não se afastava muito daqueles por onde, durante anos, passou o famoso Dakar. O seu road-book contemplava a saída de Algiers, passava por El Golea, Timimoun, Adrar, Gao, Niamey, Ougadougou, Bamako, Kayes e terminava na capital do Senegal.

Para levar a missão a bom porto, Hanuš escolheu um normalíssimo Škoda 633 de produção, com motor de 6 cilindros em linha e 1.792 cm3 de cilindrada, debitando uma potência máxima de 33 CV. A transmissão do automóvel estava a cargo de uma caixa manual de 3 velocidades, o chassis era constituído por perfis em aço rebitado, ao qual se ligavam eixos rígidos guarnecidos com molas semi-elípticas longitudinais. O conjunto tinha um peso total de 1.150 Kg, permitia uma velocidade máxima de 100 Km/h e consumia, em média, entre 10 a 13 l de gasolina, por cada 100 Km percorridos.

É natural que a escolha pela Škoda se tenha devido ao facto do pai de Jiří ter trabalhado como Director-Geral das fábricas de Pilzen, entre 1919 e 1923. Porém, a verdade é que, apesar das reconhecidas qualidades do automóvel checoslovaco nas estradas do dia-a-dia, a marca entendeu não apoiar oficialmente esta iniciativa, talvez com receio do provável fiasco que a ousadia da viagem parecia pronunciar. Em boa verdade, fora uma atitude sensata: há 76 anos atrás, um homem sozinho decidir atravessar o deserto num normalíssimo carro de turismo, era uma perfeita loucura. Em bom rigor, ainda hoje o seria! Ainda assim, a Varta, a Vacuum Oil Company, a SKF, o fabricante de pneus Kudrnáč Náchod, a Scintilla Vertex e Julius Meinl, decidiram patrocinar a iniciativa, que contou ainda, embora de forma oficiosa, com o apoio das Fábricas Škoda.

Partindo de Radlík u Jenisse, perto de Praga, a 17 de Fevereiro de 1933, Jiří seguiu ao volante do seu 633 até um porto de mar, onde o carro foi transportado de navio até Algiers. Depois, na sua solitária jornada, homem e máquina sobreviveram, sem mácula, às vicissitudes do deserto, chegando, num só percurso, a fazer 1.100 Km sem terem qualquer possibilidade de repor os níveis de água fresca ou de gasolina.

Precisamente um mês depois da partida, o fantástico Škoda 633 e o seu heróico piloto chegaram incólumes a Dakar, depois de cumpridos 6.546 Km em África. De novo a bordo, Jiří Hanuš e o seu Škoda 633 foram transportados de navio até Marselha, local a partir do qual regressaram a casa por estrada. No final, tinham sido cumpridos 9.716 Km, com o 633 a registar um consumo médio de 13.75 l/100 Km [no mais duro troço realizado, entre Reagan e Gao, o automóvel chegou a precisar de 18 litros de carburante por cada 100 Km percorridos]. Quanto a problemas ou avarias mecânicas... nada a registar!


Já no conforto do lar, Hanuš teria ainda a oportunidade de se dedicar à redacção de um pequeno livro onde relatou a sua fabulosa aventura. Uma odisseia solitária só possível graças à inaudita ousadia de um homem muito destemido e aventureiro, a que se aliou a bravura de um automóvel construído com a lendária robustez das criações da Seta Alada.

Uma história que dava um filme...

[foto de um Skoda 633: Skoda Auto]

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