quinta-feira, 6 de maio de 2010

Protótipos Anónimos [VI] - Sagitta


No final dos anos 30, a Škoda começou a desenvolver um pequeno automóvel cujas características o tornariam na porta de entrada no universo da marca de Mladá Boleslav. Visto aos olhos de hoje, seria o que chamaríamos de um citadino. Tratava-se de um veículo de dimensões contidas, baixo peso e de preço reduzido, a posicionar comercialmente abaixo do fantástico Popular. Para tal, o construtor checoslovaco desenvolveu um pequeno motor de 2 cilindros em V, refrigerado a ar, cujo ruído dir-se-ia parecido com o de... uma Harley-Davidson. A caixa de velocidades, montada sobre o eixo traseiro, era do tipo transaxle, como acontecia com o Popular. Em termos de design, o pequeno carro colhia inspiração nos seus irmãos mais velhos, sendo, por isso, particularmente elegante e charmoso. Quanto ao nome de baptismo foi escolhida a feliz designação de Sagitta, que em checo significa «Seta».

O projecto foi desenvolvido até uma fase bastante avançada, tendo chegado a ser construídos 5 protótipos do modelo. Porém, com a ocupação nazi, a sua industrialização foi cancelada e o Sagitta acabaria por mergulhar no esquecimento. Com o passar dos anos, o rasto dos 5 protótipos parecia definitivamente perdido, até que, em 1973, a fábrica encontrou o exemplar de que hoje lhe falamos. Porém, esta descoberta aconteceu num período em que a Škoda começava a viver momentos menos felizes, e onde as prioridades eram outras, bem distantes do restauro do seu espólio. Assim sendo, o pobre Sagitta voltaria a ser devolvido às torturas da ferrugem, desta feita abandonado num armazém muito exposto aos efeitos da humidade.

Com a integração no Grupo Volkswagen, a história da marca passou a merecer renovada atenção e Eva Ticova, que dirige o Departamento de Restauro da fábrica desde 1997, acabaria por reencontrar o Sagitta outrora abandonado. Paralelamente a outros afazeres, a equipa que dirige já realizou, desde a sua chegada, dez importantes restauros, o último dos quais devolveu o pequeno Sagitta ao garbo dos anos 30.

Quando foi reencontrado, o taquímetro do automóvel registava apenas 14.000 Km rodados, mas este número não ajudava muito porque, em boa verdade, parecia muito pouco credível. O automóvel tinha sinais evidentes de maus tratos e apresentava-se com faróis dianteiros que não eram originais, incorporava bancos de um Octavia, contava com alterações no sistema de abastecimento de gasolina e de exaustão e o próprio carburador dava indícios, pelo tipo de pintura utilizada, de que já não era original. Até os vidros das portas, originalmente de correr, tinham sofrido alterações, sendo agora de accionamento por manivela.

A primeira dificuldade com que Eva Ticova se deparou foi com a falta de documentação existente em arquivo. Pouco mais restava do que meia-dúzia de fotos tiradas já no pós-guerra, numa altura em que os protótipos estavam na posse de particulares e já tinham sofrido alterações para melhor responder aos gostos e necessidades dos seus novos donos. Ou seja, as próprias fotos não eram uma boa base de trabalho para o rigoroso restauro em que a fábrica de Mladá Boleslav se lançara. Porém, o renascimento do Sagitta haveria de ser bafejado com um golpe de sorte e o Departamento de Restauro travaria conhecimento com um coleccionador de Carlsbad que possuía um dos outros 4 protótipos desaparecidos, em condições quase originais, ainda por restaurar. Tinha sido encontrada uma fonte histórica credível.

Adivinhava-se um longo e árduo processo de trabalho, que se iniciou formalmente em Janeiro de 2008. A longa exposição do veículo à humidade tinha corroído uma parte significativa de peças e painéis da carroçaria e a sua estrutura em carvalho encontrava-se igualmente deficitária. Felizmente, o motor V2 de 845 cm3 encontrava-se relativamente bem preservado e para além de uma metódica limpeza e de uma reparação cuidada, pouco mais teve que levar de novo, para lá de 2 pistões e de algumas anilhas.

Quanto à cor do modelo, a verdade é que nem os mais recônditos parafusos tinham escapado ao rápido desgaste da pintura original. Porém, Eva Ticova descobriu em arquivo um catálogo de cores de 1938 que lhe permitiu perceber tratar-se de uma pintura entre o bege, o bronze e o ouro, de matiz metalizada – curiosamente um acabamento improvável para um pequeno carro, já que, à época, este tipo de pintura era bastante caro. A este propósito, Eva Ticova é peremptória – a pintura empregue no restauro é apenas uma aproximação ao original porque os componentes utilizados na tinta metalizada dos anos 30 eram tão perecíveis que não garantiriam a sua perduração no futuro. E agora, mais do que nunca, o Sagitta é para conservar, não só como exemplar único, mas também como modelo 'vivo' da história de um construtor sem paralelo.

Numa altura em que a Skoda trabalha no desenvolvimento de um novo citadino, o nome Sagitta poderia, com toda a propriedade, voltar a fazer parte da lista de automóveis da marca, dando assim a continuidade merecida à história de um pequeno carro cujo futuro, certamente brilhante, foi abruptamente interrompido pelos horrores da 2ª Guerra Mundial. Mas mesmo não sendo pelo nome de baptismo, é certo que o espírito do Sagitta voltará a ostentar as cores da Seta Alada dentro de cerca de ano e meio. E desta vez, com o merecido sucesso.

Este post teve como fonte principal um artigo publicado na newsletter «ExtraTour» da Skoda Alemã, da autoria de Thomas Wirth.

Mais informações em: http://www.skoda.de/

[fotos: ExtraTour | http://www.skoda.de/]

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