quinta-feira, 25 de julho de 2013

Škoda contra Škoda



Com o final da 2ª Guerra Mundial e a ascensão do Partido Comunista ao poder na Checoslováquia, o império industrial Škoda foi nacionalizado e subdividido em empresas estatais autónomas que – apesar de partilharem uma marca e um logótipo comum – perderam os laços técnicos e afetivos decorrentes de uma matriz histórica comum. Neste contexto, a divisão automóvel passou a chamar-se AZNP [Automobilové Závody, Národni Podnik], enquanto o setor da indústria pesada adquiriu a designação de Škoda Plzeň.

Porém, com o advento da Primavera de Praga [ocorrido em 1968] - e colhendo frutos da maior autonomia daí decorrente -, a Direção Geral da Škoda Plzeň entendeu alargar o âmbito de atuação da sua empresa, ponderando dedicar-se novamente à produção de bens de consumo, numa tentativa de recuperar para si uma área de negócio que já fora sua, no passado. Assim, iniciou-se o projeto de um automóvel citadino de dimensões muito reduzidas, um pouco à imagem dos denominados 'bubble cars' que fizeram escola nas grandes metrópoles ocidentais, sobretudo no final da década de 1950, e que neste caso se destinava a servir um mercado interno ávido de automóveis: relembre-se que, à época, o Estado Checoslovaco dava primazia às exportações, pelo que a maioria dos Škodas 1000 MB produzidos seguia para o estrangeiro, não satisfazendo as necessidades nacionais. Neste contexto, a Škoda Plzeň pretendia desenvolver um pequeno carro que resolvesse, a curto prazo, esse problema de escassez de automóveis no país, motivo pelo qual o projeto fora balizado para um limitado ciclo de produção, estimando-se um fabrico total de apenas 25.000 a 35.000 unidades. 

Do caderno de encargos constava a conceção de um citadino com capacidade para 2 adultos e 2 crianças [ou apenas 2 adultos na versão aberta], tecnologicamente simples, fácil e barato de produzir e cuja manutenção pudesse ficar a cargo dos futuros proprietários – uma das razões pela qual se optou pela adoção de um motor de mota. Para tal, e uma vez que o sucesso da viatura estaria dependente do baixo poder de compra de uma população com escassos recursos, o automóvel teria que ser despido de quaisquer acessórios supérfluos, nomeadamente em matéria de conforto, de forma a manter-se acessível e, simultaneamente, leve. Estavam assim lançados os dados para a elaboração de um projeto que tinha tanto de aliciante como de exigente. O futuro pequeno carro foi então batizado de «Škoda MINI»

Afastada da construção de carros de turismo – com exceção da experiência recente, embora pontual, do fabrico de Tatras 805 - a Škoda Plzeň já não podia contar com a sua antiga divisão automóvel para preparar o MINI, pelo que recorreu a instituições académicas para cooperarem no desenvolvimento do projeto. Foi neste contexto que o design da viatura foi confiado ao artista plástico Miloš Franče, que, como é visível pelas fotografias, fez um excelente trabalho, desenhando um automóvel particularmente bonito.

O programa definido limitava o peso da viatura a uns magros 400 kg, sendo que o motor eleito – proveniente da Jawa [fabricante checoslovaco de motorizadas] – tinha de base uma cilindrada de somente 350 cm3. Ainda assim, o carro teria que suportar um peso adicional de 150 kg relativo a passageiros e às suas cargas. Porém, ao invés do que seria expetável num projeto com tantas limitações, a Škoda Plzeň não seguiu o caminho mais fácil, que passaria por decalcar soluções técnicas anacrónicas, de garantida simplicidade e fiabilidade, afim de garantir a desejada contenção de custos - ou, em limite, reduzir à escala de um citadino os conceitos conhecidos dos automóveis familiares do seu tempo. Não, a Škoda Plzeň e os seus parceiros de projeto optaram pelo bem mais aliciante, mas seguramente mais arriscado e árduo caminho da inovação, da qual resultou um pacote tecnológico muitíssimo interessante, com destaque para as seguintes premissas: 

- Chassi de aço construído em 3 módulos independentes, aparafusados entre si, podendo ser facilmente substituídos, caso necessário;
- Fabrico de 3 tipos de carroçarias em fibra de vidro: fechada [2+2], aberta [apenas para 2 passageiros] ou veículo comercial com peso bruto de 700 Kg; 
- Partilha de um mínimo de 80% dos componentes entre todas as versões;
- Motor Jawa 350 com cilindrada ampliada para 400 cm3, auxiliado por motor de arranque elétrico, e arrefecido por ventoinha disposta atrás do eixo traseiro;
- Transmissão por corrente, disponível com diferencial e caixa com marcha-atrás;
- Eixo dianteiro com suspensão McPherson simplificada, dotado com molas e amortecedores separados para contenção de custos, coadjuvado por eixo traseiro independente;
- Duplo circuito de travagem, equipado com tambores de 190 mm de diâmetro;
- Jantes de liga-leve de 5.20 x 10” a produzir na própria fábrica da Škoda Plzeň, especialista na fundição de ligas metálicas nobres.




Para tal, durante a fase de desenvolvimento estabeleceu-se uma importante parceria com a CZ Strakonice, que ficou encarregue de fornecer os motores Jawa 350 [devidamente ampliados para 400 cm3], os diferenciais, os amortecedores e muitos outros componentes mecânicos. Por sua vez, na fábrica de Pilsen fez-se um modelo à escala 1:5 do automóvel e preparou-se a construção de um protótipo sob a direção de Karel Kleinmond.

Contudo, o desenvolvimento do MINI foi visto pela concorrência interna como uma ameaça, dando azo a uma enorme onda de protestos, encabeçada pela Škoda AZNP que, com receio de perder o monopólio dos veículos de turismo, se foi queixar ao Comité Central do Partido Comunista das sucessivas violações que, alegadamente, o projeto infligiria ao sistema de Economia Planificada. Isto numa altura em que o país vivia com particular euforia as perspetivas de abertura consubstanciadas pela Primavera de Praga e das quais, ironicamente, a AZNP tinha sido uma das principais beneficiárias, ao poder iniciar o desenvolvimento de uma série de moderníssimos automóveis que, infelizmente, nunca chegaram a ver a luz do dia... Em resposta, e para minimizar o mal-estar entretanto gerado - mas sem abrir mão dos seus intentos -, a Škoda Plzeň decidiu simplificar a preparação do protótipo de tal forma que se conseguisse contornar uma parte das dificuldades burocráticas impostas pelo Comité. Contudo, esse 'pragmatismo' foi entendido como um desrespeito ao Partido Comunista por alguns membros da própria empresa, o que se traduziu em reações desproporcionadas e até pouco dignificantes. Infelizmente, quando os ânimos serenaram por fim e se reuniram as desejadas condições para se avançar com o protótipo simplificado, dá-se a Invasão Soviética e o país é mergulhado numa profunda crise. Com os russos a controlar o poder, a Škoda Plzeň foi condicionada à vocação que no passado lhe tinha sido imposta por via da implementação da Economia Planificada e, consequentemente, o projeto acaba por ser arquivado. Em paralelo, a intervenção soviética na Direção da AZNP destruía fulminantemente uma série de arrojados projetos em curso – entre os quais o do fabuloso Škoda 720 – condicionando duramente o futuro da marca. 

Fechava-se assim, da pior forma, um capítulo que reunia todas as condições para alterar o rumo da muito qualificada indústria automóvel checoslovaca. Hoje, resta-nos o consolo de podermos contemplar um projeto lindíssimo que, não fora o decurso da história, teria provavelmente feito escola sob o signo da Seta Alada. Mesmo que, paradoxalmente, tivesse oposto Škoda contra Škoda...



Mais informações em: www.auto.idnes.cz

[Fotos do arquivo de Vacláv Pauera | extraídas de www.auto.idnes.cz]

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